CHAPÉUS FABULOSOS
A História dos chapéus
(Traduzido de http://www.fabulous-hats.eu/)
01. Apresentação
Este livro homenageia os chapéus e todos aqueles que, ao usá-los, fabricá-los, imaginá-los nos seus mais variados estilos e assim imortalizá-los em diferentes formas artísticas e materiais, construíram e constroem a sua história.
Curiosidades, novidades, anedotas, vícios e virtudes dessa indumentária simultaneamente estética e funcional correm como cenários dos grandes acontecimentos cujos protagonistas quase sempre se nos apresentaram com o seu inseparável chapéu.
A vida de um chapéu é tão longa quanto a do homem que o usa, desde as suas origens mais remotas no Egito, Grécia e Ásia até a sua era moderna na Europa. A moda do chapéu elegante se espalha da França e Inglaterra e chega à produção em massa italiana dos séculos XIX e XX. Presente em todas as civilizações, o chapéu é um símbolo de valor cultural, social e individual; influencia as regras da comunicação, representa uma visão do mundo, e é metáfora da criatividade que se liberta da mente daqueles que o usam.
O chapéu esconde a cabeça, mas abaixo dele, as faces mudam suas fisionomias no jogo de sutis mensagens, sedução e provocação que lhes confere um dispositivo verdadeiramente mágico. O formato do chapéu domina o perfil da cabeça, mas ao mesmo tempo, transcende e fala uma linguagem toda peculiar, capaz de ampliar as relações comunicativas. Colocar o chapéu, tirá-lo ou trocar de chapéu - são gestos que no palco da vida cotidiana exercem variados papéis capazes de mudar as imagens e, quem sabe, até mesmo as idéias. É uma cumplicidade onde tanto o homem como o chapéu são protagonistas.
Este livro é um reconhecimento a todos os participantes da nobre arte de chapelaria, os carapuceiros, os chapeleiros e vendedores que trabalham para preservar e reforçar a herança do chapéu como um complemento de elegância masculina que hoje se encontra severamente ameaçada pela moda "globalizada" e "igualitária", bem como falta de rituais cotidianos. É, além disso, uma maneira de continuar a fazer parte de uma longa história.
Esta apreciação é dedicada àqueles que deitaram base na tradição da manufatura e lhe deram brilho: aos "Mestres", com a corajosa fé no progresso, que se empenharam em aprender os segredos da industrialização e dar vida à indústria destinada a se tornar orgulho italiano; aos primeiros artesãos que, trabalhando em casa, vendiam as suas obras; a todos os trabalhadores anônimos cujas operosidades e 'know-how' permitiram às celebridades tomarem parte do palco da história usando aquele objeto inseparável que eventualmente se tornaram a sua marca registrada.
Este livro é um desejo: que os chapéus voltem a se transformar em instrumento de charme e elegância; que se tornem novamente um sinal de identidade e personalidade, e que sejam tirados com elegância para uma mulher que saiba apreciar esse gesto de galanteio infelizmente já tão esquecido.
02. Uma indumentária divina
Cobrir a cabeça é um costume muito antigo. De fato, na Era Neolítica o homem usava grande chapéu de palha para se proteger do sol.
Não há muitos artefatos que chegaram até nós, porquanto eram confeccionados com materiais que se deterioravam facilmente. Encontramos, todavia, muitas provas indiretas nas pinturas, esculturas, mosaicos, moedas e inscrições.
O material mais antigo teria sido pele de animal selvagem, usada primeiramente em estado natural e, mais tarde, rudemente tingido, cortado e costurado com agulhas feitas de ossos finos e pontiagudos. Nos anos recentes, com a descoberta do homem de Similaun, pudemos obter um exemplo concreto do chapéu 'arqueológico'.
Algodão, couro, seda e lã foram sempre elementos que a natureza ofereceu ao homem, não apenas para proteger as partes mais delicadas do corpo, mas ao mesmo tempo, manter constante a sua temperatura. Naturalmente podemos presumir que a cabeça fazia parte dessas áreas mais sensíveis.
Os chapéus possuíam inicialmente uma função prática. Protegiam as cabeças durante as batalhas e também dos maus tempos, do frio e do calor. Entretanto, nem sempre é muito clara a fronteira entre utilidade e função simbólica.
"Os chapéus existem por causa da necessidade, mesmo que simbólica, de preservar a parte mais nobre do homem: a cabeça, e, portanto, o pensamento". 1
Como abrigo da alma e da vida, a cabeça possui qualidades mágicas desde a aurora dos tempos pré-históricos.
Por esta razão, o gesto de se cobrir a cabeça expressa a necessidade de proteger esta parte do corpo das forças hostis ou para enfatizá-la e dar ênfase e visibilidade de tal modo a atrair a atenção divina.
Na tradição da Roma Antiga, qualquer ritual religioso ou sacrifício era realizado velato capite, i. e., com a cabeça completamente coberta com uma toga. De acordo com os índios norte-americanos, o chapéu do pajé possuía o poder de desviar as flechas e as balas quando usado numa batalha.
Feito da carcaça de bisão com chifres, era centro de atenção nas cerimônias importantes das tribos Cheyenne. Os sacerdotes gregos e, mais tarde, romanos, cobriam suas cabeças com infula durante sacrifícios. A bandagem era feita de laços de lã vermelha e branca semelhantes à mitra cardinalícia, ornamento original dos reis e dignitários persas que chegaram ao Ocidente através de cultos misteriosos.
Os gauleses, que adoravam a deusa Cibele, usavam mitra com faixas que pendiam sobre os ombros. As virgens Vestais usavam um tutulo, um tipo de chapéu cônico em forma de fatia de pão que pode ser visto nas estátuas etruscas. É representado numa estatueta que se encontra no Museu Arqueológico de Florença. O apex, um quepe feito de pele de animal sacrificado, era usado em Roma por Flamin Dialis, um flamine que adorava Júpiter.
Heródoto vestia uma tiara usada pelos sacerdotes iranianos durante os sacrifícios, enquanto muitos monumentos nos deixaram representações de chapéus altos e cônicos da Mesopotâmia.
Nos tempos bíblicos, os Judeus usavam provavelmente peças rituais em forma de turbantes ou mitra semelhantes aos usados pelos reis Assírios.
O costume recente de cobrir a cabeça com shippa sugere idéia da preença de Deus sobre a cabeça do homem. Durante muitos séculos o turbante persa caracterizou as populações islâmicas. O próprio Maomé comercializou turbantes em Síria antes da sua conversão. A mitra, a tiara, o gorro, o quepe e o camauro são formas de cobertura para a cabeça dos Papas e altos prelados da Igreja Católica.
No concílio de Lyon, em 1245, o Papa Inocêncio IV ordenou o uso de galerum como símbolo de dignidade cardinalícia. Era um tecido com largas bordas, de cor escarlate, com duas cordas laterais, tendo trinta arcos de seda vermelhos. Podemos afirmar certamente que, em todas as culturas, a indumentária da cabeça faz parte de um "código corporal" que, como outras formas linguísticas, servem para enviar mensagens e comunicar.
É uma representação simbólica que traz múltiplos significados: poder, sedução e intimidação, como é o caso dos capacetes criados para provocar medo, mas também a pertença numa cultura, esfera social ou categoria profissional.
A história nem sempre conferiu aos produtos da civilização e cultura o mesmo valor atribuído às descobertas científicas ou uma obra de arte. No entanto, cada objeto produzido pelo homem permite-nos descobrir e conhecer o mundo. Como objeto, o chapéu retrata o papel de protagonista absoluto na jornada da descoberta e da consciência.
"Como muitos outros objetos que passam por nós diária e silenciosamente e não presumivelmente em nível de presença do conhecimento enciclopédico, o chapéu é um símbolo complexo que necessita ser resgatado do anonimato". 2
Não é nenhum exagero afirmar que a história do homem pode ser escrito a partir da história do chapéu.
1. A .COLONETTI G. SASSI M.M. SIGIANI, Cosa ti sei messo in testa, Mazzotta, Milan, 1991, pg. 14
2. Idem, pg. 13
03. Observando a Arqueologia
A Causia feita de feltro pesado de lã ou de pele foi uma das indumentárias para a cabeça mais usadas na era helênica, sendo originária da Macedônia. De acordo com Plínio, tinha a forma de cone. Amarrada na nuca com fitas e apertada no queixo, foi usada como capacete durante as batalhas. O Galerus era também muito popular. Consistia num quepe pontudo fixo e amarrado abaixo do queixo. Feito inicialmente com peles de animais, foi mais tarde substituído pelo feltro de lã.
Na Era Clássica os gregos usavam Petasus, um chapéu de abas largas feito de feltro macio ou peles. "Elaborado em diferentes cores e às vezes decorado com um botão no topo, com seu domo e "asas" laterais, pode ser considerado primeiro chapéu propriamente dito".1
Era usado principalmente para viagens e talvez por conotar movimento e velocidade, era associado ao deus dos peregrinos, Hermes e ao deus romano Mercúrio, que o usava com asas laterais. A etimologia lembra o verbo grero petannymi referindo-se à ação de "abrir-se", "expandir" as velas, de "estender-se", indicando assim um chapéu com aba.
Da Grécia Petasus foi também exportado para Roma graças aos atores das comédias Latinas que o usavam nos palcos como, por exemplo, em Anphitryon de Platão. O Petasus continuou a ser considerado uma peça "exótica" mais apropriado para uso nos teatros pelos austeros cidadãos romanos que não consideravam viril cobrir suas cabeças com nada além de uma toga. A prova disso é o fato de seu nome nunca ter sido 'latinizado'.
Os Pileus, de couro ou tecido, eram muito comuns entre os cidadãos humildes, usados nos templos e tinham uma pequena aba levantada que caía tanto de um lado como para frente. Era uma peça antiquíssima difundida pelos persas durante a época de Alexandre Magno e originária antes dos frígios que governaram a Ásia Menor por quase oito séculos. É por essa razão que são também chamados "quepes frígios", tornando-se populares durante a Revolução Francesa como símbolo do Jacobinismo.
Em Roma os Pileus simbolizavam a libertação da escravidão. Os escravos eram forçados a trabalhar sem qualquer tipo de proteção para as cabeças. Ao serem libertados, recebiam um pileus durante a cerimônica de emancipação como sinal de dignidade restaurada. Era também usado durante Saturnalia e acredita-se que, após a morte de Nero, o povo encheu as ruas acenando os seus pileus com entusiasmo e alegria comemorando o fim da tirania.
Os homens livres o usavam durante os banquetes ou jogos como sinal de desafio. O nome nos leva de volta ao grego pilos que foi mencionado nas obras de Homero e Hesíodo e indicava lã ou pele transformadas em feltro usadas não somente para capacetes e sapatos, mas também para quepes similares a Fez moderna que é feita do mesmo material.
1. F. MONDOLFO, Tanto di cappello, Alberti Editore, Verbania, 1997, pg. 23 14
04. Para Oriente e para Ocidente
Em 11 de maio de 330, Constantino inaugurou a nova capital do Império Romano Oriental, a "Constantinopla". A cidade se erguia à beira de Bósforo entre Europa e Ásia, onde outrora se situava Bizâncio.
A nova Roma logo se transformou numa metrópole de refinada elegância que acolhia os mercadores e viajantes de todos os países.
Os artesãos de Constantinopla produziam objetos luxuosos e a seda síria se tornou orgulho dos mercadores bizantinos. A púrpura era reservada ao imperador que a oferecia aos príncipes estrangeiros. Os homens comuns mais abastados podiam também adquirir e vestir roupas feitas de materiais preciosos cujas cores brilhantes eram também escolhidas para quepes ou gorros que se tornaram comuns devido a sua praticidade.
A civilização bizantina vivia no esplendor. O Ocidente, ao contrário, passava por um período de sérias crises e somente por volta do ano 1000 as vestimentas se transformaram em sinal de distinção.
As iniciativas dos mercadores e o estabelecimento dos normandos no sul da Itália reabriram o caminho para vestimentas refinadas frequentemente decoradas com peles macias. Longas capas com gorro, juntamente com largos chapéus de feltro de lã se tornaram comuns.
Nos séculos XIII e XIV a moda era ainda quepe - cônico, quadrado e curvo. Chapéus pontudos de feltro eram também populares e seu feitio ainda é mantido nos chapéus universitários. Eram decorados com fitas e pedras preciosas e usados sobre cabelos bem aparados (estilo príncipe Valente), juntamente com brocados e roupas damascenas. A classe média e o resto da população se contentavam com boinas e gorros.
05. Os ancestrais dos chapéus
Para encontrar o verdadeiro ancestral do chapéu moderno devemos regressar à Idade Média quando se usava uma espécie de capa com gorro chamada capperuccia usada pelos homens e mulheres bem como pelos monges e todo o clero.
O vocabulário medieval define-a como: vestis species qua viri laici mulieres laicae monachi et clerici induebantur. Mesmo que seja difícil não compará-la com o capus latino, temos que considerar que ela originalmente cobriu não somente a cabeça, mas todo o corpo.
O uso da capa foi primeiramente sancionado pelos autores Isidoro de Sevilha e Gregório de Tours. No italiano moderno é apresentada apenas por expressões figurativas como "capa e espada", ou derivativo no aumentativo "cappotto", mas historicamente o termo foi amplamente difundido nas línguas neo-latinas onde se encontra presente até hoje, na denominação de várias peças. A palavra é também encontrada no alemão do início da Era Medieval kappa, Grego-Bizantino (Kappa) e no húngaro arcaico, kepa.
Em Latim moderno o termo tem o significado de gorro para indicar uma indumentária para cabeça que poderia ser removida do manto e ser usada separadamente. Gorros eram bem comuns durante um longo tempo. Nas cidades medievais, os gorros almuzi eram usados de várias maneiras com uma ponta sobre um ombro.
A palavra cappellus, diminutivo de cappa, foi usada até o século XV e indicava um gorro de veludo ou feltro amarrado sob o queixo. A riqueza de uma pessoa era realçada pelo valor dos materiais usados, tais como pele, brocados e pedras preciosas. Por outro lado, os menos afortunados usavam gorros simples com a única finalidade de se proteger do mau tempo. Para falar dos chapéus da maneira como os conhecemos, devemos adentrar o século XIV quando as indumentárias com abas fizeram sua surpreendente aparição na sociedade.
Em feltro, palha ou tecido, o chapéu já não é simplesmente proteção para cabeça, mas um acessório de moda com o qual as classes nobres expressam a sua vaidade. É nesse ponto, quando nos afastamos da simples função utilitária para nos aproximarmos de um papel mais estético, que podemos começar a falar da cultura do chapéu.
O dicionário Crusca define o chapéu como "uma cobertura para cabeça de acordo com sua forma e envolta em sua base por uma parte de si que é chamada aba". Como muitos outros dicionários, isso nos leva a crer que a característica necessária para uma indumentária de cabeça ser definida como chapéu deve ser dotada de aba. Sem ela, entramos num vasto e variado mundo de quepes, com a sua ponta puxada para trás ou lado ou tendo um formato chato ou arredondado.
Enquanto o seu gênero foi alvo de debates, a etimologia, ao contrário permitiu chegar unanimemente ao termo latino Birrus - um gorro plano com um visor que chegou à Roma vindo de Pérsia e modificado da sua forma original de barretinho com protetor de orelhas.
O próprio birrus era geralmente usado com um quepe. No Latim comum do século XIII encontramos a palavra biretum que foi introduzido ao italiano dos anos 1300 muito provavelmente através da boina provençal. Em Veneza a versão em veludo vermelho era uma prerrogativa dos Doges.
Além das invectivas de ordem filológica, podemos dizer que na história da indumentária de cabeça as boinas e quepes tiveram um desenvolvimento paralelo, porém, não idêntico.
O termo berretto se refere geralmente a uma indumentária inclinada com ou sem visor, similar a uma boina. O zucchetto pertence também à família dos berretti. Era esférico, tendo um formato de uma abóbora e usado pelos nobres e autoridades eclesiásticas até século XIV. Os berretti medievais feitos de tecido eram reforçados algumas vezes com armação de arame costurada por dentro para resistir a inesperados sopros de vento. Eram assim igualmente os magliate milaneses do século XIII.
O berretta primariamente indica uma indumentária rígida composta de três ou quarto seções com borda usada durante a Idade Média pelas classes altas e hierarquia eclesiástica. O beretta de feltro bastante popular era predominantemente de cor amarela. O tocco era um berretta vermelho preferido pelos moradores da Florença que o usavam com aba voltada para cima, quase abraçando a cabeça como uma coroa.
O formato de berretta negro continua em uso pelos juízes e advogados nos tribunais. A distinção entre quepe e chapéu teria sido rígida, pois nos anos 1500 havia duas associações distintas: o dos fabricantes de quepes e os chapeleiros, que estavam frequentemente em atrito, pois na época, os quepes eram mais usados que os chapéus e os primieiros exigiam seus privilégios. .
Os chapeleiros, por sua vez, eram divididos em fabricantes de lã e de feltro de outros pêlos. Chapéus elaborados e comprados na França começaram a se espalhar no século XIV juntamente com boinas e quepes. Possuíam abas largas, feitos de palha e forrados com seda, ou feitos de pêlo de castor e usados como símbolo de prestígio e poder.
A influência gótica é sentida mesmo nos acessórios. Chapéus com pontas finas eram combinados com sapatos longos com pontas chamados à la poulaine. Os chapéus de abas largas eram usados como guarda-chuvas; eram confeccionados com pêlos de castor ou lã com forros de palha no verão.
06. Sir Feltro
No passado, usava-se uma figura de retórica chamada "sinedoque". Consistia em 'tocar' uma parte de algo a fim de indicar o seu todo - por exemplo, o material com o qual a coisa é feita para indicar a própria coisa.
A "madeira" sobre a qual os Argonautas viajavam, significava navio e o "aço" era sinônimo de espada dos guerreiros.
Esse processo involuntário permitiu o uso do termo "feltro" para designar os chapéus.
Este é o material par eccellence com o qual o chapéu é feito. O feltro é o protagonista ímpar no palco do chapéu masculino.
É macio no toque e resistente. É adequado para a moldagem porque é um emaranhado de pelos que, quando exposto ao vapor adquire grande flexibilidade. Por fim, é uma pele reconstruída onde o pêlo do animal é aglutinado sem qualquer ajuda de cola e, se corretamente tratada, pode ser polida como uma pele. Todos podem verificar a porosidade do feltro soprando fumaça de cigarro através dele. Por outro lado, a água estufa-o e penetra-o vagarosamente, possuindo também certo grau de resistência natural à água. A "maciez" é adquirida pela aplicação do vapor e é muito importante, pois permite moldá-lo em várias formas. Não há outro material tão macio que possa ser moldado em tais formas sem necessidade de ser costurado. 1
O feltro é a forma mais antiga de material têxtil e sua arte parece ser mais antiga que a tecelagem. Era conhecido pelas tribos mongóis muito antes dos Gregos e Romanos. Os nômades da Ásia Central foram os primeiros a obter peças compactas batendo lãs preparadas e úmidas com as quais fabricavam tendas, roupas, e, certamente coberturas para as cabeças para se abrigarem do frio.
O feltro pode ser obtido de lã ou pêlos. O primeiro é obtido dos carneiros, bodes e camelos e os últimos, de lebres, castores e todos os tipos de coelhos, especialmente australianos. O feltro de lã é mais duro, pesado e menos resistente, porém, mais barato. O feltro de pêlo é mais "forte, macio, fino e suave quando polido".2
Um observador casual nem sempre é capaz de perceber as diferenças que são bastante óbvias aos olhos treinados de um chapeleiro. A principal característica do feltro é que ele é um 'tecido' que não é tecido. De fato, é um material que é obtido sem fiação e tecelagem. As fibras são aglutinadas por um processo ao mesmo tempo mecânico e químico, com umidade e calor, fricção e pressão.3
O feltro é considerado tecido, mas o seu processo produtivo não está relacionado com processo têxtil onde duas séries de linhas são carregadas, vertical e horizontal e mecanicamente tecidas perpendicularmente.
O feltro é resultado de aglutinação de fibras animais que possuem uma certa característica de se entrelaçarem naturalmente e, após serem tratadas, se ligam intimamente. O feltro é especificamente formado graças a fusão de escala microscópica das superfícies dos pêlos e sua natural tendência em se enrolar. 4
1. F. MONDOLFO, op. cit., pgs. 61 s.
2. Ibidem, pg. 65
3. cfr. N. PAFUNDI, Cappelli e bastoni, PAFPO editore, Milano, 1998, pg.35
4. F. MONDOLFO, op. cit., pg. 64
07. História ou Lenda
A lenda atribui a invenção do feltro ao Apóstolo S. Tiago, irmão de S. João Evangelista. Conta-se que ele viajou pelo mundo divulgando a Palavra de Cristo e sentiu a necessidade de aliviar seus pés cansados das longas caminhadas para as quais não estava acostumado como pescador.
Juntou uma mexa de lã deixada no campo pelas ovelhas e colocou-a entre sua sandália e o seu pé. Depois de algum tempo, notou que o material havia se solidificado graças à pressão, umidade e suor. Aquele material compacto marcou a origem do feltro.
O processo natural de aglutinação fora produzido e ainda é a operação fundamental de fabricação do feltro.
É verdade que houve outrora a mania de se procurar o inventor de tudo, mas o que se encontra além da legenda é o fato de que as primeiras corporações de chapeleiros veneravam S. Tiago e o consideravam padroeiro e protetor de sua arte.
A lenda possui um sabor medieval de uma anedota hagiográfica, mas o papel que a religião teve na transmissão e desenvolvimento do feltro não pode ser ignorado. De acordo com a tradição, o lugar onde foi descoberto o túmulo do apóstolo foi chamado Santiago de Compostela. Este nome deriva de campus stellae, o campo miraculosamente indicado por uma estrela que se tornou destino de uma das peregrinações mais populares na Idade Média e ainda hoje.
Foram essas viagens de para Compostella que ofereceram também a oportunidade de comércio ao longo dos itinerários repletos de monastérios e abrigos para peregrinos. A preciosa lã merina espanhola usada pelos chapeleiros para feltros mais refinados também encontrou o seu caminho para se transformar em preciosa mercadoria de transação.
S. Tiago é celebrado no dia 25 de julho. A iconografia o representa como um peregrino - com uma capa simples sobre os ombros, segurando um longo cajado com empunhadura em curva e um chapéu com abas largas onde se encontra incrustada uma concha de vieira.1
1. F. MONDOLFO, op. cit., pg. 60
08. O Renascimento
O chapéu de feltro triunfa no século XV como indumentária para a cabeça par eccellence.
O estilo estético que distinguiu a sociedade renascentista estava presente em todo aspecto, e as vestimentas se tornaram elegantes e refinadas. Veludos macios, algumas vezes bordados com linhas de ouro eram usados para as capas. Chapéus largos geralmente negros começaram a ser preferidos pelos mais abastados que adoravam a elegância que chegavam da França, onde os chapéus de feltro se difundiram mais rapidamente que na Itália.
Carlos VII foi um dos primeiros a usar um fino chapéu de pele de castor, um sinal de distinta preferência da nobreza em relação ao feltro de lã. Jean Fouquet assim se retratou numa famosa pintura preservada no Museu de Louvre.
A magnífica vestimenta renascentista que dominou a Itália até a primeira metade dos anos 1500 é testemunhada pelos retratos que o patronato da Corte doou em abundância e que oferece esplendidos exemplos de estilos dos chapéus então usados.
Durante a primeira metade dos anos 1500, o soberano Francisco I e seus subordinados influenciaram profundamente a moda. O francês usava um chapéu de abas largas decorado com fivelas e penas e quepes planos de veludo decorados com uma pena.
Na Alemanha, os chapéus de feltro de lã possuíam abas duras e levantadas, enquanto os ingleses, não satisfeitos com novidades vindas do estrangeiro, permaneciam fiéis aos quepes largos e chapéus de feltro altos e médios. Os espanhóis preferiam chapéus cônicos com copas altas. De fato, foi na Espanha que se estabeleceu a preferência em tal estilo que até na Itália se tornou bem conhecido; um quepe curto jogado sobre um dos ombros para mostrar uma manga estufada. Com ele um chapéu de feltro de aba larga decorado com uma pena.
Enquanto os príncipes do Renascimento enfeitavam seus chapéus com laços e rendas, os muçulmanos difundiam seus quepes chamados Fez, no sul da Europa. O chapéu usado pelos nobres como sinal de hierarquia começava a se espalhar até mesmo entre a população mais pobre, no primeiro estágio com abas voltadas para baixo, e então com outros formatos. Eram chamados chapéus de roda.1
O final dos anos 1500 se caracterizou pelas guerras, fomes e devastação. As Guildas de manufaturas passavam por tempos difíceis e as rotas de comércio se tornaram perigosas e difíceis. Ainda com um acento espanhol, a moda sentiu os efeitos desta crise mesmo que levemente. Os chapéus encolheram a uma pequena copa com aba virada para cima. As penas permaneceram bem como os banquetes, onde os chapéus eram obrigatórios conforme confirmam as pinturas da época.
1. A. COLONETTI G. SASSI M. M. SIGIANI, op. cit., pg.18 27
09. De mãos dadas com um chapéu
A evolução da moda masculina do século XVII testemunhou o fim de roupas estufadas. As peles incômodas e desconfortáveis foram substituídas por blusas de linho e renda. Os chapéus de feltro de copas altas se tornaram rígidos e cônicos ou macios e arredondados. A classe média substituiu as penas por fitas de couro, seda e fivela no centro, mas os cavalheiros com quepes de roda que seguiram a nova moda de bigode e barba adoravam os chapéus mosqueteiros suntuosos decorados com penas e plumas.
Este século viu a história dos chapéus muito influenciada por um importante objeto estético vindo da França: a peruca. Ela se espalhou rapidamente em todos os países europeus por onde dominavam a tradição e língua francesas. Até os anos 1700 cobriu as cabeças masculinas e femininas, forçando todas as outras indumentárias a suportar essa presença incômoda.
Como é freqüente nos casos de grandes evoluções, e não apenas na moda, foi um singelo acontecimento que deu grande impulso à 'revolução' da peruca. Em 1620 o rei Luís XIII da França tornou-se calvo. Sendo jovem ainda, decidiu colocar uma peruca a fim de não perder a dignidade ao usar sua coroa.
A função protetora dos chapéus foi fortemente abalada por essa nova "cobertura", mas não o seu papel estético. Carregado sob braço e usado unicamente para curvar-se e fazer elegantes cumprimentos às damas, o chapéu de copa larga e incômoda foi substituído primeiramente por um chapéu de duas pontas (bicorne) com aba lateral presa à copa e, depois pelo chapeau bas; o chapéu de três pontas (tricorne) em feltro de pêlo de castor ou veludo com enfeites de ouro para os aristocratas. Sob o reino de Luís XIV, a França era o país mais conhecido na fabricação de chapéus.
Não era somente a classe nobre, mas também outras classes sociais que usavam os tricórnios menos refinados em feltro de lã sem adornos. Seguro ou carregado sob os braços, era levado em todas as ocasiões elegantes e acompanhava as notas maneiristas de um minueto.
As comédias Goldoni e Molière representam-no como acessório masculino que unia os nobres e serviçais, pelo menos na aparência. Sob governo de Luís XV, a nobreza usava veludo enquanto perucas brancas menos incômodas e reluzentes com escovas e talcos para bebês faziam sucesso com enfeites ao redor do colarinho firmemente fixos.
Os aristocratas franceses continuaram a carregar seus tricórnios sob seus braços enquanto caminhavam para o declínio. Óculos, caixinhas de rapé e lenços de renda completavam a imagem rococó.
10. Na dianteira da Revolução
Quando as perucas foram reduzidas a alguns appliqués, o tricórnio retornou e os nostálgicos o usaram mesmo quando a moda exigia um redingote; um casaco curto também chamado "casaco de trabalhador" e usado sobre as calças culotte. O ano era 1780.
As pessoas comuns preferiam o bicorne com a aba fixa com um broche. O ano de 1789 estava se aproximando e, com ele, uma revolução social, política e cultural que se originou na França e se espalharia por toda a Europa, inclusive nos estados italianos.
Uma vez descartadas as perucas e enfeites de seda, os líderes revolucionários usavam redingotes austeros sem brocados ou rendas e o quepe frígio que na época se tornou emblema jacobino. O estilo era "sans culottes": calças longas, colete curto e um casaco "Carmagnola" que foi trazido à Marselha pelos trabalhadores piemonteses. O bicorne de feltro com aba mais larga e com bordas douradas retornou para fazer parte de uma vestimenta mais decorosa e sóbria como reação da classe média da era pós-reino do terror - representada pelo Diretório.
Era usado com uma ponta na frente e a outra na nuca, até Napoleão girá-lo em 90 graus. A Revolução Francesa havia terminado, mas os chapéus ainda teriam que passar por sua maior transformação vistos como protagonistas da arte e cultura do século XIX, e parte da evolução econômica de manufatura para a produção de massa do século XX.
O chamado top hat ou cartola de feltro, com a aba lateral curva e de forma cônica, apareceu nas cabeças dos novos ricos antecipando a forma cilíndrica que logo invadiria o mundo.
11. Os anos 1800
A classe média do início do século XVIII viu seu prestígio crescer na Europa e América do Norte e, assim, estabeleceram uma moda mais prática e sóbria. Os casacões foram transformados em casacos de cauda e se tornaram obrigatórios por toda a primeira metade dos anos 1800, acompanhados com coletes estampados e gravatas multicoloridas.
Entretanto, a verdadeira novidade da elegância masculina era representada pela cartola, destinada a retratar o papel de verdadeiro protagonista na história dos chapéus. Acredita-se que ela se tenha originado na China e feita em seda por um modista cantonês. Chegou à França em 1795 e usada pelos jovens fundadores de Incroyables, apoiadores de um estilo mais adaptado ao realismo.
Alta e cilíndrica, era também chamada 'bomba', 'canna', 'tuba', 'a torre' e 'a staio' e alcançou fama definitiva na Inglaterra. De fato, foi Mr. Herrington, provavelmente o modista mais famoso de Londres, quem confeccionou em 1805 o primeiro top hat inspirado no modelo francês. A novidade foi considerada exagerada inicialmente e o Prefeito proibiu o seu uso. Entretanto, o Mercado decidiu o contrário. O gosto da moda da época tanto combinava com a cartola que ela logo se difundiu pelo mundo. Embora a copa tenha mudado com o tempo, a aba permaneceu praticamente intocada no seu formato. Esse formato exigia grande habilidade do fabricante devido a sua rigidez.
Com o período de restauração, os chapéus se tornaram maiores, como BOLIVAR, com uma copa cônica e alta e abas largas inspiradas em top hat.
11.1 Monsieur Gibus
Em 1812, um francês chamado Antoine Gibus teve uma idéia revolucionária que tornaria o top hat mais manuseável e prático. Graças ao sistema engenhoso de molas colocadas no interior do chapéu, foi possível achatá-lo aplicando simplesmente pressão com a mão. Dessa forma, podia ser transportado sob o braço ou colocado facilmente nos chapeleiros de teatros e óperas.
O top hat de Monsieur Gibus' era também chamado chapeau claque devido ao som produzido pelas molas na hora de sua abertura.
A brisa de inspiração e criatividade trazida pelo Movimento Romântico foi sentida também na moda. Com ela dominava a elegância inglesa e George Byaron era seu conhecido porta-voz, enquanto o estabelecimento mundano de top hat, a bengala e os óculos comandava os passos. Eram companheiros inseparáveis do "Dandismo" do qual Lorde George Brummel se considerava um expoente.
A forma cilíndrica da copa continuou a prevalecer mesmo quando a sua altura se tornou enorme no final do século. O chapéu continuou a ser rígido e volumoso.
11.2 A tecnologia avança
Os anos 1800 foram um período de grandes invenções que trouxe grandes mudanças não apenas na organização do trabalho, mas na história das tradições.
As máquinas de costura transformaram profundamente a produção de confecções. Os pioneiros em fabricá-las foram os franceses em 1829 com Barthelemy Thimmonier, para a confecção de uniformes militares, seguido por Isaac Singer que se tornou o maior produtor do mundo.
A indústria têxtil evoluiu e invadiu o Mercado com tecidos de todos os tipos, incentivando o anseio de encontrar novos estilos de roupas e acessórios.
Nasciam revistas de moda e, em 1839, quando foi apresentado o daguerreótipo, inventado pelo Louis Jacques Daguerre, abria-se na Academia de Ciência da França o caminho para a fotografia. Ela ilustrou e propôs tendências na moda com maior detalhe que os desenhos e de modo mais extensivo que as imagens pictóricas.
As fábricas de chapéus sobreviveram às transformações do século. As instalações industriais substituíram os pequenos negócios familiares e as máquinas permitiam a expansão de produção.
11.3 O Bowler dos meados do século
Nos meados dos anos 1800, os chapéus se tornaram protagonistas principais. Os homens e mulheres não eram vistos em público sem eles.
O top hat adotou um toque antigo e limitado a ocasiões oficiais, enquanto Bowler, vindo da Inglaterra, começava a tomar o seu espaço.
Era um chapéu rígido que, de certa forma, poderia se considerar uma versão menor de top hat. Idealizado por um chapeleiro londrino chamado Bowler, adotou o seu nome e foi inaugurado por William Coke em 1850 numa cavalgada pelo parque.
Com uma copa arredondada e aba em curva, era inicialmente negro, mas feito mais tarde em variações de cinza e marrom.
11.4 O Homburg Lobbia
Um quepe ou um boné é recomendado a quem pratica esportes, mas um cavalheiro maduro optará por um chapéu de feltro flexível - um Lobbia com aba curva e vinco central.
O nome deriva de um membro do Parlamento, Cristiano Lobbia, que em 1869, durante uma aparente brincadeira, foi atingido na cabeça por uma bengala que afundou o seu chapéu. Um chapeleiro empreendedor tirou vantagem da publicidade para vender os "Lobbia" Homburgs.
11.5 Homburg Nobile
O ano de 1890 testemunhou outro acontecimento casual destinado a deixar sua marca no caminho dos chapéus de feltro.
O príncipe Edward da Inglaterra, futuro Rei Eduardo VII e filho da Rainha Victoria, ganhou um chapéu enquanto se encontrava em Bad Homburg para tratamento e este acabou tomando o nome da cidade, talvez, graças também a uma fotografia histórica que imortalizou o chapéu sobre a cabeça do príncipe com um terno listrado. O HOMBURG ficou também conhecido em nossos dias como "o chapéu do Poderoso Chefão".
A aba era curvada à semelhança de top hat e é também chamada roulé. A copa é tão macia que pode ser vincada com a mão. O início da Belle époque no final dos anos 1800 foi uma preparação para o que conhecemos como a era de ouro dos chapéus.
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12. O início dos anos 1900
Nos anos 1900 os chapéus masculinos adquiriram um significado diferente dos séculos anteriores. Foram realçados sua função e seu valor sociais. Tornaram-se sinal de distinção e até mesmo uma expressão de diferentes convicções políticas.
Os velhos socialistas usavam chapéus arredondados e macios com uma pequena aba, enquanto os Mazzini usavam chapéus negros e macios com abas largas.
Os chapéus eram também uma prova de vaidade. Cavalheiros elegantes se distinguiam na Exposição de Turim, em 1900, com seus Bowler marrom claro com fitas de rendas e cetim. No frio, escolhia-se o Homburg. O stride, influenciado pelo top hat semi-brilhante com uma banda de seda alta, era centro de admiração.
Um verdadeiro cavalheiro usava um chapéu com um casaco de pele "Petersburg" para os jantares depois do teatro. Eram também negros e forrados com pele de castor.
12.1 Chapéus de palha: uma glória italiana
Em abril de 1907 foi inaugurado o couraçado Roma, e na ocasião apareceram os chapéus de verão. Os chapéus de palha se tornaram glória da Itália desde a época em que a indústria de palha cresceu em Toscana no final dos anos 1700. Eram também chamados Maggiostrina porque era no mês de maio que as pessoas começavam a usá-los e depois, removidos com a temperatura amena de outono, época da colheita.
Entretanto, este chapéu firme, oval e de base espessa alcançou sua consagração artística nas pinturas impressionistas francesas. Manet e Renoir representaram as imagens dos cavalheiros do início do século sobre os barcos nos rios e em passeios usando o que chamavam de Canotier.
12.2 Verão com Panamá
O Panamá, ou melhor, o chapéu cujo nome se tornou famoso no mundo inteiro graças ao acontecimento histórico que marcou o século, chegou à Itália diretamente dos EUA. Foi em 1906 quando o presidente norte-americano Theodore Roosevelt apareceu na inauguração do Canal de Panamá usando um refinado Homburg feito de palhas finas. Os retratos e cartões postais circularam pelo globo e, aquele chapéu nascido e produzido em Equador, foi então batizado "Panamá".
Tecido a mão com folhas secas de palmeira nana, da espécie de Ludovica que cresce na América Central, é um chapéu elegante que encontrou seu mercado em spas onde a moda ditava o que a elite tinha que levar nas suas férias e tratamento termal.
O Montecristi Fino se tornou famoso e único devido à maciez que o permitiu ser guardado em qualquer bolso.
12.3 Chapéus inseparáveis
Os top hats ou cartolas eram ainda insubstituíveis para a elegância masculina de Belle époque de Paris regada a champagne, onde Giovanni Boldini pinta retratos que marcam a história, até a capital da Europa Central, Viena. Nas corridas em Londres se dava preferência a cores suaves com fitas escuras. Para as ocasiões elegantes e oficiais, sedas suaves e brilhantes com fita de cetim.
Chapéus de seda eram combinados com casacões, redingotes, e casacos de cauda para noite. Benjamin Guggenheim diria para seus eternos amigos a bordo do infeliz Titanic: "Com fraque e Top Hat, pelo menos morreremos como cavalheiros".
Mesmo os Bowlers continuaram a manter o papel de protagonistas e se mostrar sobre a cabeça de Arturo Toscanini. Os artistas italianos se tornaram frequentemente embaixadores do gusto nacional.
Puccini era fotografado com Homburg Lobbia. Enrico Caruso triunfou em Nova York e em Petersburg exibindo "roupas excêntricas e chapéus luxuosos". D'Annunzio, modelo de elegância masculina em Paris era inseparável de seus chapéus de feltro de cetim. Não era muito grande, levemente curvo e decorado com fita trabalhada. Um toque refinado era o botão de cetim que combinava com a fita e funcionava como fecho. O chapéu "D'Annunzio" estava muito em voga entre os intelectuais que adoravam o estilo Liberdade. Usavam uma gardênia na lapela, luvas de couro de cabrito, polaina sobre sapatos brilhantes com uma bengala com punho de cabeça de cão de caça.
Carducci, mais sóbrio e nacionalista, usava um chapéu claro com aba larga. Assim era visto em Bolonha enquanto caminhava para a Universidade onde ensinava literatura Italiana. Os chapéus de feltro macios e confortáveis eram a preferência do Movimento Literário Milanês e do mundo da arte. O rei Victor Emanuel usava uma Fedora larga de feltro durante suas viagens de caça. Era semelhante a um Homburg com aba estreita e foi lançado pela Sarah Bernhardt na comédia homônima de Sardou representada em Paris.
12.4 O avanço do Progresso
Eram os anos de progresso, o amanhecer de uma nova era. A eletricidade marcou o desenvolvimento das indústrias e a grande revolução não ignorou o mundo do chapéu.
Em 1911, cinqüenta indústrias estavam ativas e empregavam mais de quarto mil trabalhadores. Os pêlos de coelho eram comercializados nos mercados de Bruxelas, Londres, Hamburgo e América do Norte. Os chapéus de feltro eram também produzidos com as preciosas lãs merino, pêlos de lebre, castor e lontra.
As indústrias têxteis cresciam. As fábricas de lã de Biellese e fábricas de algodão da Lombardia forneciam tecidos modernos para as roupas que da época, dinâmicas e esportivas. Com a revolução industrial, muitos artesãos se tornaram fornecedores, enquanto as lojas de departamentos estabeleciam áreas de exposição e vendiam chapéus masculinos. Quanto mais refinado o consumidor, porém, mais preferiam receber conselhos de fornecedores que estavam mais aptos a adaptar o chapéu à face do consumidor.
Os revendedores apostavam na qualidade, davam informações sobre materiais mais refinados como lã merino e feltro de seda. Recomendavam pêlos de camelo, pêlos de castor, pêlos de vicunha e marta (mink) que eram os mais procurados para o feitio de chapéus de feltro, e exigiam cuidados para evitar pêlos esbranquiçados que comprometeriam a sua qualidade.
Eles explicavam os pesos, as proporções, os detalhes precisos, as características italianas e as peculiaridades daquele período. Realçavam a delicadeza de forros de seda, as carneiras macias de Jersey marroquino, o logotipo bem desenhado e o formato da copa. Todos esses detalhes garantiam o prestígio do artigo.
Os homens adquiriam os chapéus convencidos de que usavam algo de valor.11 . G. FOLLEDORE, Il cappello da uomo, Zanfi Editori, Modena, 1988, pg.42
12.5 Capacetes de corrida
Os capacetes de corrida são uma lenda de velocidade que os futuristas tinham em comum, mas receberam fortes oposições dos derbys e top hats. Um quepe de couro, com óculos de proteção colocados sobre o visor, era a cobiça de todos que queriam experimentar as excitações de uma corrida de motocicleta.
O boné, um quepe mais robusto em tweed irlandês era mais adequado para os motoristas dos novos automóveis. Giacomo Balla, juntamente com Marinetti e Boccioni, deram vida ao Movimento Futurista e criaram um chapéu poligonal. Com ele, os quepes tiveram o seu momento de glória no esporte competitivo que acompanhou a religião da velocidade.1
1 . G. FOLLEDORE, Il cappello da uomo, Zanfi Editori, Modena, 1988, pg.42
12.6 Extravagâncias exóticas
Os hábitos orientais vieram dos Balés Russos de Diaghilev e provocaram novas extravagâncias. Alguns usavam barretina que pareciam com dos turcos, ou em peles grossos como os Hussares Húngaros.
O desenvolvimento de políticas coloniais fizeram espalhar estilos exóticos. O Tarbouch (barrete turco) era um grande Fez negro e vermelho decorado em couro napa, com a copa dividida em seções de forma rígida com uma fita em destaque.
As viagens se difundiram e aqueles que visitavam o Oriente exibiam chapéus refinados, frequentemente feitos de palha Toscana, com uma aba larga e decorada para se protegerem do sol quente.
A elegância italiana foi reorganizada em todo lugar. A guerra havia transtornado o mundo. Os futuristas costumavam dizer "O progresso é a divindade vestida com aço", mas o toque de armadura não era suficiente para protegê-lo. A corrida para o progresso foi interrompida abrupta e brutalmente.
A fábrica de chapéus Cambiaghi, em Monza, tinha uma produção diária de mais de 20000 peças, 80% dos quais destinados para exportação. O seu declínio foi salvo pelos uniformes militares.
13. A elegância Pós-guerra
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a vida retornou para a rotina diária num mundo marcado pelo materialismo. O smoking retorna para os salões de baile: é curto, sem colete.
Os novos chapéus de seda eram encontrados nos guarda-roupas ricos e nobres da Europa Central, que viajavam no Orient Express. As corridas recomeçaram e os jovens usavam Derbys; uma versão Americana atualizada de Bowlers. Usavam-no menor, menos formal e poderiam ser usados no dia-a-dia na cidade. Eram os anos Vinte.
Os novos chapéus de feltro Borsalino foram anunciados pelo Dudovich em 1921. Eles se adaptavam a um modo de vestir mais confiante e mais de acordo com o esprit nouveau. Le Corbusier chamou um de seus pavilhões pelo seu nome na Exposição de Paris.
Sob os chapéus de feltro bizarros se encontravam as idéias artísticas do Dadaísmo que ocultava a racionalidade em nome da expressão espontânea e incontida. Não obstante, a cabeça de Pirandello era inseparável dos chapéus de feltro clássicos, tão perfeito e rigoroso quanto seus escritos. As novas corujas noturnas freqüentavam os night clubs e dirigiam os luxuosos Bugatti.
"L'illustrazione italiana" era uma revista de grande difusão que mostrava imagens eloqüentes de moda naqueles anos. O príncipe Humberto de Savóia foi fotografado com seu impecável feltro cinza com aba tipo sino, enquanto os quepes Windsor chagavam da Corte Inglesa e usados achatados num dos lados da testa.
Eram os anos dourados para os quepes: boinas azuis de uma peça, tendo uma "mecha" no centro, em herring-bone ou tweed estufado usado para caças, e gabardine rígido e azul para esportes de inverno ou iatismo.
Tazio Nuvolari pilotou seu novo Alfa Romeo usando um quepe de corrida e óculos. Estes se tornaram indispensáveis para todos os motoristas. A realeza Savóia era fotografada junto a um avião, propagando o estilo aéreo usando um capacete de couro com fivela no queixo.
As estrelas dos do cinema eram logo imitados e Rodolfo Valentino lançou um olhar cativante sob a aba do seu chapéu de feltro com fita enfeitada. Era um símbolo irresistível de charme.
13.1 A crise de '29
1929 marcou não apenas o ápice de sucesso dos chapéus de feltro, mas também o início da grande depressão sentida em toda a Itália, tanto no Mercado doméstico como estrangeiro. Os Derbys e Homburgs americanos eram emblemáticos dos grandes investidores quando aconteceu a quebra da bolsa de Nova York.
As campanhas de publicidade de revistas e jornais não conseguiram se opor a esse momento difícil que não poupou as fábricas de chapéu; a imagem de Humphrey Bogart foi exibida com seu famoso chapéu cobrindo seus olhos e com sua capa de chuva branca.
Outra tentativa foi feita para livrar os sinais da recessão de escala mundial que logo explodiria com todo o seu drama. Um retorno à elegância refinada fortemente inspirada pelos estilos ingleses, caracterizava a moda masculina do início dos anos Trinta. O meio top hat era usado nas corridas de cavalos. Chapéus Squash, chapéus de feltro de cores suaves, macios, cardados a mão, usados com a aba dobrado para baixo na frente combinavam com ternos listrados do tipo Gatsby. As tinturas de chapéus aumentaram a gama de opções de cores em relação às roupas permitindo o costume de alterá-las durante o dia. "Alfaiates personalizados" triunfaram e as revistas de moda ditavam os estilos de vida elegantes. Citamos a seguir as sugestões de "Adam", revista francesa de moda masculina:
Pela manhã
Para caminhadas: um chapéu macio de feltro de pastel suave com vinco central e aba levemente inclinada, com fita de feltro e botão coberto de seda. Para trabalho: um chapéu mais rico e ágil meio-azulado, com copa justa e curvada com uma fita de seda larga. Para viagem: um chapéu de feltro de cores quentes com bordas guarnecidas; uma boina ou quepe. Um top hat médio e preto com aba levemente curva e uma fita de 5 cm em seda é recomendado para cavalheiros durante cerimônias oficiais e casamentos.
À tarde
No clube, feiras de arte, chás ou jogos de bridge: pequenos chapéus pretos substituem os Bowlers. Devem ser de pêlos finos de lebre. Coquetéis à tarde e teatros exigem quepes ou chapéus de feltro negro semi-rígidos e brilhantes com aba levemente virado para cima e vinco central.
À noite
Para noite, jantares importantes, teatros de gala e bailes: chapeau claque; uma versão mecânica e moderna de Gibus inventado há cem anos.
13.2 Estilo Americano
A moda dos anos Trinta foi fortemente influenciada pelo estilo Americano e trouxe um lufar de ar fresco em toda a Europa. O TRILBY chegou dos EUA e era um variante da estrita série Borsalino. Os jovens preferiam SCOOP com aba em curva e alta na parte traseira.
O Panamá de aba larga era decorado com fita estampada de algodão. O chapéu de pesca em tweed resistente a água era usado em esportes ao ar livre enquanto o chapéu SHERLOCK HOLMES era visto nos gramados de golfe. Nos resorts das montanhas, os Tiroleses de feltro ou chapéus loden eram enfeitados com pena de faisão ou pele de texugo. As penas de galo eram uma demonstração de grande requinte.
13.3 Na Guerra com Fez
Os ventos da guerra começaram a soprar. Victor Emanuel, imperador da Etiópia, era visto usando um capacete colonial, enquanto boinas azuis eram usados pelos voluntários italianos na guerra civil espanhola. O Secretário Starace declarou o uso compulsório de FEZ. Era uma peça cônica e vermelha com laço de seda negro comum no império Otomano e, mais tarde nos estados árabes. Toma o seu nome da capital de Marrocos onde era manufaturado e exportado para países islâmicos. Sob governo fascista, se tornou moda os de lã grossa. Era tingido e feito em Sardenha. O tecido acabou dando nome ao chapéu e ORBACE era visto juntamente com a capacete colonial cáqui. As campanhas africanas estavam no seu ápice.
Durante ocasiões solenes, Mussolini descartou o top hat que sarcasticamente chamava de "chaminé de fogão".
A autarquia trouxe consigo lanital, uma fibra obtida da caseína de leite, e isso provocou um sentimento de saudade pelos feltros de pêlo de castor e lebre que tendiam a se tornar uma memória distante. Os chapéus rareavam. A Guerra demoliu até mesmo a elegância inspirada pelo "Albião traiçoeiro". As pessoas usavam velhos chapéus de feltro. O impiedoso fechamento de mercados transoceânicos levou ao declínio a famosa fábrica de chapéu de Monza. Somente Churchill, enquanto visitava as tropas, estava determinado a usar seu Homburg; uma variante de bowler com copa semi-rígida um tanto quadrada e alta.
13.4 Os Chapéus das estrelas
Com o fim da guerra, houve um forte desejo de reconstrução, de procura de nova elegância, beleza e luxo. A moda do final dos anos 40 se desenvolveu rapidamente.
As vitrines, especialmente nas metrópoles, começaram a exibir itens refinados. A elegância masculina voltou novamente o seu olhar para Inglaterra, porém os acessórios eram italianos. O cinema nos brindou com as imagens de estrelas de Hollywood.
Cary Grant encantava Ingrid Bergman com o seu chapéu de feltro escuro e brilhante na atmosfera pesada de Notorious (Interlúdio).
Um rígido quepe militar notabilizou Marlon Brando em On the Waterfront (O Sindicato de ladrões), enquanto o tenebroso James Dean lançava o chapéu de aba larga virada para cima.
A novela de Hemingway "For whom the bells toll" (Para Quem os Sinos Tocam) se tornou um filme onde o charme de Gary Cooper sobressaía quando usava um chapéu de feltro estilo Norte-americano.
Na onda dos Westerns as fábricas ofereciam modelos flexíveis de cor pastel que agradavam principalmente os jovens. Mas quando pensamos num chapéu típico de cowboy o STETSON é sempre o primeiro da fila.
É feito de feltro resistente a água, não tão rígido como sombrero, de inspiração Latino-americana, mas é talvez o chapéu mais famoso da história norte-americana. De acordo com a tradição, ele nunca era tirado.
O Stetson é ainda hoje usado em Texas e esse estilo se tornou novamente famoso graças à série de TV, Dallas.
13.5 Chapéus de feltro para os anos 50.
No início dos anos 50, nascia o Festival de Moda Masculina em San Remo. A intenção era criar uma clientela seleta de gosto refinado porquanto os chapéus perdiam espaço e desapareciam do uso diário. O Congresso Internacional de Chapéu foi realizado na Suíça e a Associação Européia de Chapeleiros estudava novas estratégias para lançar chapéus de feltro.
Em 1958, o MAMBO foi anunciado com uma copa plana e o mais esportivo ROBIN tinha uma copa "torre invertida". A produtividade cresceu e os cavalheiros buscavam novamente a elegância e boa-vida. Corridas de cavalos, teatros e danças sublinhavam os estilos de pertença à sociedade.
Até os meados dos anos 50, os chapéus pareciam ter readquirido o seu lugar no cotidiano e estavam sempre presentes nos retratos das celebridades que preenchiam as primeiras páginas. Um clássico chapéu de feltro cinza acompanhava Gregory Peck em Roman Holiday, enquanto chapéus flexíveis de lã tweed estampadas faziam sucesso, como aquele que se tornou "chapéu de diretor" na cabeça ilustre de Federico Fellini. Alì Khan participou de Epson's Grand Derby com top hat cinza, enquanto os italianos eram considerados os mais elegantes a bordo de luxuosos transatlânticos que retornaram às rotas oceânicas.
Os Tuxedos continuavam a ser um must nos estabelecimentos mundanos, combinados com sapatos de couro envernizados e chapéus pretos, flexíveis ou rígidos. Neste período, os chapeleiros eram conselheiros preciosos que exerciam suas atividades em suas oficinas. Os últimos passos eram realizados na chapelaria no momento da venda. Nessas butiques, os chapéus eram moldados de acordo com as tendências e então escovados e polidos. No fim eram ajustados e alinhados e isso incluía a aplicação de carneira ou, enfeites de pena.
Os melhores chapéus tinham forros de cetim às vezes decorados com tranças e fivelas douradas ou prateadas. Os chapéus tingidos de preto não eram objetos de preocupação para traças uma vez que o ácido da tintura as repelia. Pelo contrário, os brancos e de cores naturais deviam ser embrulhados em galipódio no caso de serem guardados. Uma vez completo o chapéu, em qualquer formato ou tamanho, a tarefa do chapeleiro continuava com a assistência na preservação e reparo.
1. G. FOLLEDORE, Il cappello da uomo, Zanfi Editori, Modena, 1988, pg.42
2. Ibidem, pg.54
3. Ibidem, pgs. 71 s.
4. Ibidem, pg. 105
14. Novidades preciosas
A primeira documentação que descreve o processo de fabricação de chapéu ilustrando-o com diagramas é L'Art de faire des chapeaux do abade Jean Antoine Nollet escrito em 1765 para a enciclopédia Diderot & D'Alembert. Ele trata das matérias-primas, preparação, processo de manufatura e tintura, assim como os estilos. A industrialização do século XIX, que trouxe uma mudança radical na fabricação, é documentada extensa e precisamente no Manual dos Chapeleiros de Lamberto Ramenzoni, publicado por Hoepli em 1906 e reeditado em 1924.
Em 1867 foi publicado o relato sobre as visitas da Exposição Universal de Paris em Le Moniteur de la Chappellerie, revista especializada da chapelaria francesa. Documentava a admiração que as novas máquinas provocavam entre os visitantes dos pavilhões. Sua Majestade Napoleão III, os Monarcas Europeus que honraram Paris com sua visita, os industriais e o público se maravilharam com o funcionamento dessas máquinas engenhosas que o Sr. Haas de Parias alegremente apresentou na Exposição.1.
Elegante bas tisseuses, inventado por Sr. Coq di Aix, estava em exposição. Ele havia inventado também uma máquina de lixar e, mais tarde, a prensa de Sr. Coanet, de Nancy, que podia perfeitamente modelar, formatar e secar em poucos minutos sem deixar quaisquer vincos.
1. F. MONDOLFO, op. cit., pg. 105 e pg. 107
15. O comércio dos chapeleiros
Os estatutos da "Arte", isto é, as guildas ou corporações que reuniam trabalhadores e empreendedores da mesma profissão, formam os primeiros documentos relativos ao comércio chapeleiro.
No tempo das cidades livres, a economia havia se reerguido, após a crise da Idade Média, e organizações se desenvolveram com o comércio florescente. Chapeliers de fleur, de fautre e de paon foram reconhecidas na França para seus chapéus de pena, como na Itália, onde os chapeleiros tomavam inicialmente parte da corporação de trabalhadores de feltro.
O primeiro documento que certifica a existência de uma União de Artesãos Chapeleiros data de 1280, em Veneza, mas foi somente no período pós-cidades-livres, entre 1400 e 1500, que se desenvolveram as associações independentes. Por volta de 1425 foram delineados, em Bolonha, os primeiros estatutos oficiais do Honrado Grupo de Chapeleiros da Bolonha.
Outras corporações foram documentadas em Città di Castello, Savona, Palermo, Mantua, Brescia e Cremona. Em 1742, o mesmo estatuto reuniu Universitas mercatorum biretorum e pilleorum.
A chapelaria era um patrimônio precioso passado de geração em geração de pais a filhos com suas logomarcas e insígnias. Nos anos 1700 os chapeleiros eram cercados de uma aura de respeito. Possuíam conhecimento prático que encontrava expressão nos artesanatos constantemente aperfeiçoados, obras de engenhosidade e habilidade manual. Eram experts em pêlos, um material quase intangível de vasta variedade.
Moldavam e criavam suas obras de arte com água e fogo, elementos lendários e simbólicos. A familiaridade das substâncias químicas de nomes arcaicos e poderes tóxicos terríveis (como vitriol e arsênico) tornavam-nos pessoas misteriosas. O processo de tintura de pêlos com substâncias químicas era um segredo, mas sem ele o pêlo era sem vida e inadequado para produção do chapéu.1
A lufada de ar fresco que livrou a Europa com a Revolução Francesa marcou o fim do corporativismo que prendia os patrões e trabalhadores na mesma entidade. Em 1787, em Milão e Monza, foram criadas as primeiras Câmaras de Comércio em substituição às corporações. Os chapeleiros se tornaram mais empreendedores e começaram a viajar para França.
Em 1873, foram estabelecidos os primeiros laboratórios capazes de criar feltros de qualidade em Turim e Monza e se tornaram importantes pontos de produção e exportação para chapéus de lã. A Sociedade Universal de Chapeleiros foi estabelecida na Itália e na França, e congregou os trabalhadores com o lema de "amor e fraternidade".
As associações de Misericórdia foram estabelecidas entre 1700 e 1800. Eram instituições onde a prática religiosa estava unida ao ensinamento de comércio chapeleira. As de Turim, Milão e Monza eram colocadas lado a lado com Università Lavoranti Cappellari criada em Roma em 1757. A segunda metade dos anos 1800 foi caracterizada por uma progressiva industrialização e entusiasta defesa do profissionalismo de chapeleiros, ameaçados pela automação. As Sociedades Assistenciais Mutuais foram criadas para ajudar os trabalhadores enquanto os empreendedores criavam a União dos Fabricantes de Chapéus.
1. L. SPINA (a cura di), L'arte del cappello in valle Cervo, Sandro Maria Rosso Editore, Biella Piazzo, 1990, pg. 13
16. A manufatura se torna industrial
O Norte da Itália parece gozar naturalmente de condições favoráveis para a indústria de chapéu. A acessibilidade da água foi o primeiro fator fundamental para a manufatura, e, em segundo lugar, a mão-de-obra qualificada. Este foi um elemento decisivo para o ciclo produtivo, que foi manual até o fim dos anos 1800.
Até o final dos 1700, Giovan Battista Gnecchi se distinguiu de todos os outros fabricantes de chapéu. Estabeleceu a primeira fábrica "moderna" italiana em Milão. Seguindo os passos de seu colega francês Leprevost, introduziu e aperfeiçoou o uso de seda na fabricação de chapéus.
Alessandria, Intra, Biella, Monza e Montevarchi são locais de tradição histórica e artesanal. Nos fins dos anos 1800, havia fábricas até mesmo em Voghera e Cremona. Enquanto isso, numerosas oficinas continuavam a sobreviver, teimosamente dependente da manufatura, e isso certamente garantiu (pelo menos nessa fase da industrialização ainda imperfeita) chapéus mais valiosos graças a sua maciez, durabilidade e finos detalhes.
Em 1857 Giuseppe Borsalino e irmão de Lazzaro começaram a fabricar um chapéu de pêlo numa oficina em Alessandria estabelecendo consequentemente fundações de uma arte que transformaria suas criações em sinônimo de elegância italiana. O Borsalino se tornou famoso por seus chapéus de pêlo e estilo "O Poderoso Chefão".
Muitas indústrias foram registradas em Intra em 1874. Era uma área de antiga tradição onde desde o início do século XVIII os chapéus eram produzidos às margens do Lago Maggiore. Conde Borromeo financiou a instalação de uma refinada indústria chapeleira. Os chapeleiros que se dedicaram ao empreendimento eram: Frova, Nava, Petroli, e, no final dos anos 1800, Albertini. Mas, acima de todos, encontramos Giovanni Panizza cujo nome se tornaria uma das marcas mais famosas do mundo.
A fábrica de chapéus Panizza que foi inaugurada em 1881 em Griffa alcançou um prestígio inquestionável. Seus nomes estavam ligados tanto aos chapéus para esportes como linhas mais elegantes. Eram confeccionados em feltros muito leves chamados Bon Voyage e feltros de cores mistas graças ao uso de dezenas de gramas de matéria-prima. Nos anos mais recentes, as margens do lago geraram a Fábrica de Quepe Verbano, Estabelecida por um ex-empregado dos Panizza, esta pequena empresa manufatureira se distinguiu pela elevada qualidade e valioso material.
Outra área de Piemonte famosa por suas fábricas de chapéus é Biellese. Oficinas, frequentemente domésticas, existiram desde o começo dos anos 1800, mas a verdadeira conversão à indústria ocorreu em 1862 com criação da companhia de Rolando Barbisio e Milanaccio. O chapéu Barbisio deve sua tremenda popularidade à qualidade de seus produtos graças à habilidade das mãos ágeis dos "filhos dos netos dos primeiros chapeleiros".
Especializado na produção de chapéus exóticos, seu estilo era apreciado e exposto nos mercados sul-americanos. Em 1897, a fábrica de chapéus Cervo, a Sagliano Micca foi fundada e seu nome associado ao renomado "Princeps", sinônimo de elegância e qualidade.
Em 1885, quinze chapeleiros formaram uma parceria e estabeleceram a Grosso Valtz e Cia. Em Adorno, Toscana, a rainha sem rival da produção de chapéus de palha que deu a sua contribuição também para os chapéus de feltro. No início dos anos 1800 a companhia Giuseppe Rossi foi estabelecida em Montevarchi, e, mais tarde, em 1918, Nino Donati começou a produzir chapéus masculinos e femininos após comercializar materiais para a produção de chapéus de palha.
A Companhia Tesi nasceu em 1850 como manufatura de produtos para a produção de chapéus de palha. No final daquele século a companhia se tornou produtor de chapéus acabados. Ficou famosa por seus chapéus "Leghorn", "Magline" e "Canotti" que o mundo reconhece como "Chevalier", "Boater" e "Sailor".
A Companhia Tesi Hats Company chegou a sua quinta geração e hoje exerce papel preponderante na confecção de chapéus Panamá em Equador. Este foi um passo importante devido ao declínio da produção do material usado para a produção de chapéus de palha Florentina.
A arte de curtume é outra especialidade que pertence à Toscana e ela é a base da produção de chapéus de couro. Em primeiro lugar: o chapéu shearling. Neste setor não se deve esquecer a Companhia de Chapéus Anne Mary de Empoli. O quadro é completado com a região Luquesa, grande produtora de quepes.
Outros países
Maysern, na Alemanha é conhecida pelos seus típico estilo Bávaro e o esportivo "traveller". Flechet, na França, é famosa pelo seu refinado feltro velour. Hückel, checoslovaca, especializada em velour e, em particular, estilo "rabino" Hebreu. Stetson, norte-americana, líder na produção de chapéus cowboy clássicos em inúmeros modelos e cores.
Embora não sejam fábricas, duas chapelarias famosas são renomadas por possuir oficinas particularmente equipadas e especializadas: Lock, de Londres, especializada em Bowler, e Gélot em Place Vendôme, Paris. 1
1 F. MONDOLFO, op. cit., pgs. 62 s.
17. Bibliografia
Os livros abaixo listados pertencem ao Roberto Manzoni. Formam as linhas de Ariadne que me guiaram no labirinto e jornada sedutora da descoberta do chapéu. São livros preciosos que já não são encontrados, nem editados ou mesmo preservados em museus de chapéus. São, em si mesmos, provas históricas.
Esta Bibliografia também homenageia os eruditos e artistas que contribuíram com sua significante obra para preservar não apenas a longa história dos chapéus, mas também a rica documentação de nomes, lugares, métodos de trabalho, marcas e indivíduos da grande tradição chapeleira.
R. BARGELLESI L. GIANNETTA (a cura di), ll cappello tra storia e futuro. Alberto Lattuada e gli studenti del Polimoda, Edizioni Polistampa, Firenze, 2004
A. CAMPIONE, Il cappello da uomo-Men's hats, BE-MA Editrice, Milano, 1988
A. COLONETTI G. SASSI M.M. SIGIANI ( a cura di ), Cosa ti sei messo in testa. Storia e geografia del cappello, Mazzotta, Milano, 1991
G. FOLLEDORE, Il cappello da uomo, Zanfi Editori, Modena, 1988
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